Curso Constelação Familiar Sistêmica

O LUGAR DO TERAPEUTA

LUGAR DO TERAPEUTA: UM AJUDADOR ACOMPANHANTE

Graça

Tudo o que vivenciamos é graça. O fato de o vivenciarmos é graça. A maneira como o vivenciamos é graça. Tudo é dádiva.

Vivermos na graça significa estarmos sempre conscientes dela, seja o que for e como for que nos advenha. Nós nos abrimos na graça. Na graça existimos, da forma como existimos e enquanto existimos, estejamos presentes ou arrebatados. Tudo é graça: a paz e a tormenta, o bem e o mal, a vida breve e a vida longa, o começo e o fim. Na graça florescemos. Graça é revelação – contudo, apenas como vivência. Graça é plenitude, é tudo, sem exceção. Como respondemos à graça? Com gratidão.

Com gratidão em cada momento, com uma gratidão vivida.

Qualquer terapia exige o coração na interação terapêutica, trabalhar com terapia é uma “dádiva” e a maneira como vivenciamos nosso trabalho, é uma graça, pois uma prática terapêutica inclui muito mais que um conhecimento e uma aplicabilidade técnica, exige o sagrado, exige o coração nesta prática, isso faz a diferença. Essa diferença é uma linguagem própria do coração que não é reconhecida pela escrita já que a linguagem do coração exige a experimentação na interação. O sagrado está na interação com o coração, na interação de tudo com todo o sistema, o meu e o do outro, com amor. Uma prática terapêutica exige amor, entrega, humildade e respeito. E uma graça recebida.

Como prática terapêutica, a proposta inicial das Constelações Familiares era a de colocar as pessoas em posições relacionais a fim de experimentarem, nestes campos vibracionais, as sensações provocadas nestas posições em suas relações.

Com a evolução do trabalho, Bert Hellinger foi deixando este movimento cada vez mais livre e entregue a um movimento maior, o movimento do espírito, neste movimento evolutivo, a interferência do terapeuta também se reduziu, ocorrendo uma mudança que alterou grandemente a postura do ajudador.

Bert Hellinger transmite uma atitude cuidadosa quando se refere ao lugar do terapeuta no trabalho de Constelações Familiares, para ele, o terapeuta tem também um lugar e seu lugar é recolhido ao centro o vazio, sem intenção, nem de intervenção, nem de compreensão.

(…) Quem se recolhe ao centro vazio está sem intenção e sem medo. De repente, algo se ordena ao seu redor sem que ele se movimente. Essa é uma postura apropriada para o terapeuta: Que ele se recolha ao centro vazio. O centro vazio está conectado. Não está fechado. Ele se afasta sem medo. Quem tem medo do que poderia acontecer, pode desistir. O terapeuta permanece sem intenção, sem intenção de curar. (…) Quando nos submetemos, conectados, emergem, de repente, imagens – imagens de solução. (…) E a humildade que desempenha aqui um importante papel, essa ausência de intenção que concorda com o doente, assim como ele é, que concorda com a sua doença, assim como ela é, concorda com o seu destino, assim como ele é. Ninguém é mais forte para vencer o seu destino do que aquele a quem ele pertence.

Entregue ao sistema do cliente, o lugar do terapeuta é recolhido ao centro vazio, disponível, sem medo e confiante no que está se conectando, nos fenômenos e nos movimentos que acontecem. Somente no centro vazio o terapeuta pode se permitir ingressar no trabalho fenomenológico da Hellinger Sciencia®.

Para isso, o terapeuta deve deixar de lado seus conhecimentos e suas ideias permanecendo vazio interiormente, sem intenções, permitindo-se estar abstraído para poder se expor. Estar abstraído significa entregar-se e só assim, o terapeuta toma-se parte da rede maior, interconectada ao todo.

Na postura de esvaziamento interior, o terapeuta fenomenológico se encontra disponível e em acordo com tudo tal como é. Isso implica uma aceitação do mundo tal como é e do fenômeno tal como se apresenta.

O terapeuta fenomenológico permanece sem intenção de interferência junto a seu cliente e para a solução, é importante a harmonia com isso, sem nenhuma construção intelectual.

E justamente essa aceitação e essa entrega que vai proporcionar a percepção do que o fenômeno está comunicando.

No desenvolvimento dessa aceitação amorosa em harmonia com algo maior sem intenção ou controle, permanecendo vazio de qualquer intenção, o terapeuta é conduzido a acessar os “campos de informações do cliente”.

Enquanto terapeutas ou profissionais de ajuda, percebemos que quando a nossa intervenção está em sincronia com as consciências dos sistemas dos clientes e em consonância com as Ordens do Amor, a harmonização nas conexões dos clientes com seus temas, são rapidamente organizadas e se tomam liberadoras. As conexões que antes se encontravam amarradas se tornam mais livres, se libertam e se liberam, os nós se desatam e se desprendem. Como se as conexões formassem cordas invisíveis, vibratórias e criassem nós com as desarmonias e se desprendessem com a harmonia, tomando-se mais longas e menos tensas.

São os nós pertencentes às inúmeras dinâmicas criadas inconscientemente e que se mostram claramente quando da desobediência às leis das Ordens do Amor. São dinâmicas geradoras de culpa na consciência pessoal e de punições na consciência do clã. A compreensão dessas dinâmicas facilita e orienta o trabalho do terapeuta na busca da harmonização no presente de uma conexão emaranhada, independente do tempo/espaço em que ela foi constituída.

O terapeuta nas Constelações Familiares se recolhe e se abre a um contexto maior. Se recolhe do seu sistema de julgamentos, de pré-ideias e se abre ao campo fenomenológico formando um contexto de inclusão do seu sistema com o sistema do cliente. Ambos, terapeuta e cliente, começam a fazer parte de um mesmo campo, um campo de interseção de dois campos. Duas mônadas1057106 convergentes que se interpõem formando um novo campo, um campo vibratório mais sutil, informativo.

Neste novo campo de interseção formado, estão contidas todas as informações permitidas de serem acessadas pelo cliente e, por consequência, pelo terapeuta. Para isso, são necessárias duas permissões: a permissão do sistema do cliente para informar o que precisa ser informado e a permissão do Ego do terapeuta para entregar-se sem controle consciente.

Uma forma de permitir-se estar em um estado “mais limpo” de interpretações, exige que o terapeuta desenvolva uma aceitação incondicional de suas “questões pessoais” tais como são. Somente nessa aceitação das suas coisas como são é que o terapeuta pode criar uma atmosfera harmônica para se conectar ao campo do cliente. O terapeuta deve estar nutrido do seu amor por si mesmo e do amor incondicional que a tudo ama, o amor do espírito. (…) quando me recolho e me exponho ao todo, sem intenção e sem medo do que pode vir a luz, percebo repentinamente o essencial, que ultrapassa os fenômenos visíveis. Percebo, então, que este é o ponto!

Essa postura justifica dizermos que as Constelações Familiares vão além de uma prática terapêutica, abrangem também uma postura filosófica do terapeuta. Uma postura humilde frente ao todo. Uma postura de aceitação e entrega ao amor incondicional, que tudo aceita tal como é naquele momento presente. Só nessa postura que o terapeuta poderá acessar ao fenômeno de uma Constelação Familiar com Bonecos.

Nesta postura, o terapeuta deve dispor-se de sua arrogância e ter ciência de que também se encontra a serviço, a serviço de algo maior. O terapeuta deve estar ciente de que sua posição é complementar ao ajudado, ou seja, o ajudador só existe se tiver pessoas para ajudar, que desejem a sua ajuda. O ajudador ocupa um lugar de consequência na busca de ajuda do cliente e se encontra a serviço dos dois sistemas, o seu e o sistema do outro. A posição de ajudador é uma posição a ser exercida sem controle, sem pretensão, é uma dádiva, uma graça compartilhada, somente possível porque ambos, cliente e ajudador, se colocam à disposição do todo.

Com essa atitude de respeito, humildade e aceitação o terapeuta/ajudador também se entrega ao fenômeno e, nessa atitude, o terapeuta pode permanecer acompanhando o cliente, “dançando com o cliente” em sua sintonia com a ancestralidade no movimento de sua comunidade de destino, do seu grupo familiar.

Quando o terapeuta se entrega e se permite “entrar” no campo do cliente “empaticamente”, transcendendo em suas percepções, sentindo o que o cliente sente, acompanhando-o em suas sensações, verbalizações e passos, ambos, cliente e terapeuta, passam a fazer parte de um campo comum, um novo campo de interseção.

Neste campo, ocorre o fenômeno da transcendência onde ambos transcendem seu campo cognitivo e vivenciam o campo fenomenológico do sistema terapêutico. Neste novo campo, formado pela interseção transcendente das partes, estes objetos quânticos correlacionados poderão obter acessos à comunicação não local do sistema do cliente.

Na interseção de mônadas quânticas, o terapeuta se faz presente com sua verdadeira entrega ao fenômeno informativo das questões do cliente e assim, em seu vazio, no estado de distração cognitiva, o terapeuta acessa as “informações” contidas no campo de memória quântica do cliente.

Para acessar a estas informações, o terapeuta se encontra em estado alterado de consciência”0, uma consciência sem autoconsciência, um estado de distração de seu controle sobre a situação.

Esta postura exige uma crença, acreditar na sua entrega a algo maior e em comunhão com algo maior, o que for importante, necessário e permitido, vai se mostrar na medida exata do possível. E a confiança no movimento do fenômeno.

Essa atitude de confiança e segurança interna exige a maturidade emocional de reconhecer o seu lugar frente a este todo maior, o todo da cognição criativa que a tudo movimenta em direção do que é.

Se o terapeuta se encontra humildemente disponível à sua conexão sistêmica ele se permitirá ser apenas um instrumento de transmissão de informação, um instrumento receptor da comunicação com este todo, confiante nessa comunicação. Uma comunicação sem sinais, não local que se dá através da sua percepção, da sua intuição ou da sua sensação. As informações disponíveis nos níveis consciente e inconsciente do sistema do cliente que forem permitidas ter acesso, virão à tona para o terapeuta através de um pensamento, frase ou sensação.

As informações transmitidas através da não localidade e da transcendência, conceitos citados em capítulos anteriores, são informações que estão em parte alguma e agora/aqui, são acessos ao campo do grupo familiar do cliente alcançados nos colapsos de ondas da consciência neste campo!

O campo do cliente contém toda informação, basta acessá-la, para isso, o terapeuta tem que se entregar e confiar, permanecer centrado. O terapeuta centrado no cliente acessa as informações porque não está mais no seu Ego, não está mais no seu conhecimento, não precisa mais se prender ao conhecimento, o terapeuta está livre para se colocar em conexão com o sistema do cliente.

O cliente também vai acompanhando esse acesso às suas conexões e suas memórias se presentificam. As informações que se gestavam nos níveis inconscientes passam a ser lembradas e confirmadas, ambos passam a viver um processo de descoberta criativa. O cliente acessa as conexões armazenadas nas memórias quânticas do seu sistema e traz suas memórias “esquecidas”. No processo mútuo de “entrega semiconsciente e consciência perceptiva” ambos devem confiar. O terapeuta deve se liberar de suas defesas e de suas presunções egóicas e contar com seu feeling e experiência, na obtenção da confiança de entrega ao campo vivencial daquele momento. Enquanto o terapeuta não confiar em si e no seu trabalho, não conseguirá essa entrega.

Como forma de depurar as percepções apreendidas pelo terapeuta e evitar inferências interpretativas, o terapeuta constantemente confirma com o cliente sua “percepção” sobre as informações, buscando constatar junto ao cliente, se estas informações obtidas se aplicam ao seu contexto. Ambos vão acompanhando e acessando gradativamente esse universo individual e coletivo informativo.

Outro quesito importante para o trabalho terapêutico com Constelações Familiares é o conhecimento das dinâmicas e das Ordens do Amor da Hellinger Sciencia®. Esse conhecimento é imprescindível para orientar o terapeuta e promover a segurança na verificação das dinâmicas relacionais.

O terapeuta deve investir no conhecimento e na formação de uma estrutura conceituai que apoie o seu trabalho terapêutico. Salientamos que a formação técnica não é suficiente para a aquisição da postura filosófica e para a conquista da atitude de entrega, subjugar-se à entrega é o principal. O terapeuta, sem medo, livre de seu ego e de intenções, passa a ser um veículo na tradução das informações acessadas no campo do cliente.

O terapeuta centrado no cliente deve se propor a sentir o outro, a energia do outro, estar verdadeiramente com o outro, considerá-lo um legítimo outro na relação. Permitir-se conectar-se à emoção do outro com sua alma.

Essa é uma tarefa sine qua non para o terapeuta fenomenológico, se queremos entender as ações humanas não temos que observar o movimento ou o ato como uma operação particular, mas a emoção que o possibilita”4. O lugar do terapeuta, nesta relação, é dispor-se “complementarmente” à busca do cliente, perceber-se como parte consequente dessa díade relacionai, ser só a consequência daquilo que o cliente quer naquele momento.

Não é o terapeuta que sabe o que o cliente quer ou precisa, a força se encontra na sincronia do terapeuta em acessar o desejo do cliente. Se o cliente trouxer algo, o terapeuta pode “ir junto”, mas se o cliente não trouxer a si mesmo, o terapeuta não é nada, nem terapeuta. É como se fosse uma permissão, uma permissão para entregar a ajuda. De nada adianta querer entregar algo que o outro não quer. Para entregar a ajuda, o outro tem que querer e tomar.

O processo terapêutico é mais eficaz se existe a solicitação por parte do cliente, se o cliente quiser efetivamente algo de si mesmo. O terapeuta só oferece a ajuda se o cliente solicitar; sem essa solicitação, a ajuda não tem força e se toma arrogância.

No trabalho fenomenológico das Constelações Familiares o terapeuta aceita tudo como é e tudo o que vem, utilizando o que o fenômeno comunica para a sua compreensão.

Durante uma Constelação, o terapeuta deve estar inteiramente presente e entregue para o cliente. Tudo que o terapeuta tem é usado para o cliente, tanto o seu desenvolvimento pessoal quanto a sua formação profissional e quando esse ‘‘’encontro” acaba, o terapeuta se resguarda.

No método fenomenológico das Constelações Familiares, a entrada no campo sistêmico do cliente, é uma entrada com consciência e sem consciência, ou seja, entra-se no campo do cliente com a consciência de que se está entrando e isso implica na entrega ao estado semiconsciente.

Nessa entrega, o terapeuta permanece sem sua consciência autorreferente, sem controle sobre o que acontece, conservando-se na semiconsciência de sua entrega total. Realiza-se um encontro onde são acessados diferentes planos de consciência, cada plano com uma frequência e velocidade própria, como já citado, são as frequências que separam os planos de consciência.

No processo de acesso aos diferentes Planos de Consciência, o terapeuta tem um triplo trabalho a realizar: entregar-se à sua semiconsciência, retomar para a sua consciência e autorreferência traduzindo as informações obtidas na interação. Compartilhar tais informações verificando e confirmando com o cliente.

Cria-se nessa interação, uma espécie de “consciência verificadora”, o terapeuta observa o que está acontecendo no campo de interseção, observa como está se sentindo nesta relação e constata quais “exigências” relacionais o cliente transfere implicitamente para a relação terapêutica.

Realiza-se um processo em que o terapeuta pode sentir em si a emoção das coordenações consensuais de ações e emoções e observar, nesta consciência de si mesmo, o padrão de interação projetado pelo cliente na díade relacionai conectiva da interação terapêutica. De posse dessa informação, o terapeuta pode permitir-se entrar novamente na semiconsciência da entrega. Neste processo o terapeuta deixa de ser um mero reagente ao que o cliente suscita nele e atinge canais de informações relacionais do cliente não acessados pela razão ou pelas relações no social”.

O terapeuta transcende seu campo pessoal para receber informações sobre o campo do cliente refletido na interação. O processo de sair e entrar no seu campo de consciência, chamado de fenômeno de transcendência, concede ao terapeuta melhores condições de não se tomar um reagente na interação, não ocupar uma posição complementar ao padrão de influência mútua do cliente. Vale ressaltar que é somente neste campo de semiconsciência que recebemos as informações não locais.

Esse é um movimento que exige flexibilidade e maturidade do terapeuta: sua entrada e saída no campo de interseção (cliente individual/sistema do cliente/terapeuta) e o uso da transcendência, vivenciando junto com o cliente a sua experiência e saindo desse campo para o seu campo próprio de autoconsciência.

É na observação, na experimentação e na conscientização do que está acontecendo, só aí, é que teremos a real ajuda terapêutica.

Além disso, a estrutura conceituai e filosófica do terapeuta deve estar atrelada na Concepção Sistêmica da vida.

Para o terapeuta é necessária a consciência da interligação de todas as partes, de todos os fenômenos ao mesmo tempo, é necessária uma mudança de percepção, a consciência de que estamos e somos interligados, conectados com tudo e com todos a todo momento, em campos entrelaçadas de planos de consciência, na rede autopoiética dos sistemas vivos, em constante evolução.

Um novo lugar para o terapeuta, um pequeno lugar, o lugar da dádiva da vida na ajuda e no encontro.